Vozes da Rua

DIREITOS HUMANOS

Eunice Torres Nascimento

9/12/20252 min read

NÃO SOMOS LIXO

Não somos lixo

Não somos Lixo nem bicho.

Somos humanos.

Se na rua estamos é porque nos desencontramos.

Não somos bicho e nem lixo.

Não somos anjos, não somos o mal.

Nós somos arcanjos no juizo final.

Nós pensamos e agimos, calamos e gritamos.

Ouvimos o silencio cortante dos que afirmam serem santos.

Não somos lixo.

Será que temos alegria? Às vezes sim...

Temos com certeza o pranto, a embriaguez,

A lucidez e os sonhos da filosofia.

Não somos profanos, somos humanos.

Somos Filósofos que escrevem

Suas memórias nos universos diversos urbanos

Aselva capitalista joga seus chacais sobre nós.

Não somos bicho nem lixo, temos voz.

Por dentro da caótica selva, somos vistos como fantasma.

Existem aqueles que se assustam,

Não estamos mortos, estamos vivos.

Andamos em labirintos.

Dependendo de nossos instintos.

Somos humanos nas ruas, não somos lixo.

Carlos Eduardo Ramos, o Cadú,

Morador das Ruas de Salvador.

Resenha

O poema “Não somos lixo”, de Carlos Eduardo Ramos, morador em situação de rua de Salvador, conhecido como Cadú, é um grito poético contra a invisibilidade. Seus versos nascem da dor de quem vive à margem, mas também trazem a lucidez e a filosofia de quem resiste ao estigma. Ao repetir “não somos lixo”, o autor reafirma sua humanidade frente a uma sociedade que insiste em desumanizá-lo.

Há, no texto, uma força paradoxal que, ao mesmo tempo em que denuncia a violência simbólica e material da “selva capitalista”, reivindica a condição de sujeito de pensamento, de sonho e de voz. O poeta não se coloca como vítima passiva, mas como alguém que “pensa, age, cala e grita”, alguém que ainda conserva o poder de interpretar a própria existência.

O poema é, assim, um testemunho daquilo que a sociedade muitas vezes olha, mas prefere não enxergar que homens e mulheres em situação de rua são portadores de histórias, afetos, dores e esperanças. E, nessa realidade, reduzi-los a “fantasmas urbanos” é uma forma de manter a ordem social funcionando, mas à custa de negar a dignidade de milhares de pessoas.

A crítica que emerge do texto vai além da denúncia, pois ela toca na necessidade de repensar o olhar social, uma vez que o problema da rua não é apenas da rua, é coletivo. De tal modo, a invisibilidade só será combatida quando entendermos que essas pessoas precisam mais do que esmolas ou olhares de piedade; precisam de políticas públicas que assegurem moradia, acesso à saúde, educação e oportunidades de trabalho. Precisam, sobretudo, de reconhecimento!

A poesia de Cadú nos faz refletir sobre até quando aceitaremos que parte da população seja descartada como “lixo humano”. A voz do poeta nos lembra que cada pessoa em situação de rua carrega não apenas pranto e dor, carrega também lucidez, filosofia e sonhos. E o primeiro passo para construir uma sociedade realmente justa, onde ninguém seja tratado como sobra ou invisível é reconhecê-los como sujeitos plenos.

Acesse o texto de Cadú em: https://www.defensoria.ba.def.br/wp-content/uploads/2017/06/sanitize_280121-013348.pdf