Crianças na Internet: Até Onde Vai a Exploração Disfarçada de Entretenimento?
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Eunice Torres Nascimento
8/26/20253 min read


O influenciador Felca (Felipe Bressanim Pereira) trouxe à tona um tema urgente e chocante: a exploração infantil nas redes sociais. Sua denúncia escancara uma realidade perversa que teima em se repetir, provando que, mesmo com leis consolidadas, nossas crianças seguem expostas e vulneráveis – e agora também no ambiente digital, um novo palco para velhas violações.
Como cidadã, mãe e educadora, me recuso a aceitar que a exploração de nossas crianças seja normalizada. Como jurista, afirmo: isso é absolutamente inaceitável, exige cessação imediata, e todos os responsáveis, sejam autores diretos, coautores, ou entidades que, por ação ou omissão, foram coniventes com a exploração, sejam punidos com todo o rigor da lei.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro:
· Artigos 17 e 18: protegem a dignidade da criança.
· Artigo 240: criminaliza a pornografia infantil com penas duras.
· Artigo 130: permite que o Estado intervenha em casos de violência psicológica.
Além disso, o Marco Civil da Internet e a Lei 13.440/2017 já preveem mecanismos para combater crimes virtuais contra menores.
Ou seja, do ponto de vista legal, estamos bem amparados. O problema não é a falta de lei, mas a falta de aplicação.
Na prática, o combate à exploração infantil esbarra em uma perigosa combinação de fatores: a lentidão das plataformas, a escassez de recursos estatais e a naturalização cultural da violação da privacidade infantil. Essa convergência cria um ambiente de impunidade quase absoluta, onde conteúdos prejudiciais permanecem no ar por tempo suficiente para causar danos irreparáveis, enquanto práticas abusivas são disfarçadas de entretenimento perante uma sociedade ainda desatenta.
Do ponto de vista jurídico, defendo quatro eixos de atuação urgentes e complementares:
1. Fortalecimento Institucional: Criar varas judiciais e promotorias especializadas em crimes digitais contra menores, além de capacitar continuamente policiais, promotores e juízes nas nuances tecnológicas e processuais desses delitos. A expertise técnica é fundamental para uma investigação e jurisdição eficazes.
2. Responsabilização das Plataformas Digitais: Exigir das redes sociais uma atuação proativa, não apenas reativa, com a implementação efetiva de mecanismos de compliance previstos no Marco Civil da Internet. Isso deve incluir a transparência algorítmica, canais de denúncia ágeis e a remoção prioritária de conteúdo, sob pena de multas substantivas e progressivas por descumprimento, especialmente por omissão deliberada.
3. Responsabilização de Criadores e Agências: Coibir a exploração da imagem infantil pela regulamentação clara da atividade de influenciadores infantis. É preciso estabelecer diretrizes éticas rígidas, assegurar a preservação dos direitos à imagem e à privacidade da criança, e aplicar punições severas — inclusive cíveis, com reparação por danos morais — a adultos e empresas que violarem esses princípios em busca de lucro.
4. Educação Digital como Política Pública: Implementar campanhas massivas e permanentes de conscientização, integradas às grades curriculares escolares, para ensinar crianças, pais e educadores sobre os riscos da exposição online, mecanismos de privacidade e os canais de denúncia. Uma sociedade informada é a primeira barreira de proteção.
A aprovação do ECA Digital é inquestionavelmente tardia. Ela é a confirmação de que o Estado falhou, por anos, em modernizar suas ferramentas de proteção, tornando-se uma vítima da própria "falta de vontade política e de investimentos". Sua implementação tardia é um reflexo amargo de que a infância não foi tratada como prioridade estratégica que merecesse inovação ágil.
Contudo, seu caráter tardio não a torna menos crucial. Pelo contrário, a torna urgente e indispensável. É um compromisso público, finalmente assumido, de tentar corrigir uma defasagem histórica e construir o alicerce da "justiça ágil, moderna e proativa" que as crianças e adolescentes brasileiros sempre mereceram, mas que lhes foi negada por tempo demais.
Isso sim é justiça social.